A partir da compra da fazenda Santa Sofia, de 34 mil hectares, em Aquidauana (MS), no Pantanal, ambientalistas e empresários tentam atrair produtores rurais vizinhos para formar um corredor biológico privado, destinado à conservação e exploração sustentável do bioma.
"Não é preservação xiita, que ninguém pode mexer em nada, é aliada à produção consciente", disse um dos idealizadores do projeto, Mário Haberfeld, presidente da Onçafari, organização que trabalha na preservação de biomas, com enfoque em onças-pintadas e lobos-guarás.
Haberfeld diz que está em uma espécie de conselho do grupo, que ainda precisa ser oficializado e será denominado 4P (Pantanal, Preservação, Pecuária e Produtividade).
O projeto nasceu em agosto de 2020 e se concretizou a partir da compra da Santa Sofia, em outubro, com recursos captados com oito pessoas físicas, cujos nomes não foram revelados. Desses, três doaram as cotas para serem administradas pela Onçafari.
Além desses 34 mil hectares, o corredor biológico já conta com adesão de mais 53 mil hectares do Refúgio Caiman, em Miranda (MS), de Roberto Klabin, e 33 mil hectares da Fazendinha, de Teresa Bracher, em Aquidauana.
A Santa Sofia seria o modelo do projeto 4P a ser adotado pelos produtores vizinhos. Há cerca de sete meses, de acordo com Haberfeld, o BCG (Boston Consulting Group) ofereceu consultoria gratuita e elaborou relatório em que trata de como a fazenda pode gerar receita, como a exploração do ecoturismo.
A ideia é que os produtores vizinhos, integrantes do corredor ecológico, adotem, em suas áreas, ações como turismo, fomento à pesquisa, aluguel de pastagens nativas para pecuária extensiva e venda de créditos de carbono, diversificando culturas além das tradicionais, como criação de gado e produção agrícola.
Até agora, a adesão está em avançada discussão com outros 15 produtores rurais. No total, somam cerca de 327 mil hectares. Nem todos estão conectados, mas a intenção é fechar o corredor, formando a unidade de conservação. O desafio é chegar à meta de 600 mil hectares em 2021.
Enquanto essas negociações estão em andamento, a Santa Sofia começou a ser preparada. Em 2019, ao menos 50% da área foi atingida pelos incêndios. A maior parte da vegetação se recompôs, mas foi preciso reconstruir ou reformar pontes afetadas pelo fogo.
Os funcionários da Santa Sofia vão passar por treinamento para integrar brigada rural de combate a incêndios florestais. Este projeto está sendo desenvolvido pelo Instituto SOS Pantanal e parceiros e inclui, ainda, outras propriedades rurais em Aquidauana e nos municípios de Miranda, Corumbá e Ladário.
Um dos fundadores do SOS Pantanal, o empresário Roberto Klabin é proprietário do Refúgio Caiman. Para ele, a formação do corredor irá possibilitar ao produtor rural diversidade econômica e fortalecer o ideal de preservação. "Na minha visão, tem que dar segundo passo, olhar o Pantanal e a vocação dele de turismo de fauna selvagem; é preciso repensar maneiras de conservar o Pantanal, mostrar que essas propriedades podem desenvolver projetos multifunção", afirma.
O local, de 53 mil hectares, reúne pecuária extensiva de corte, ecoturismo e a pesquisa - em parceria com a Onçafari e com o Instituto Arara Azul. Se for considerada a soma com a área do Parque Estadual do Pantanal do Rio Negro, com 78,3 mil hectares, o corredor biológico, entre iniciativa pública e privada, já chegaria a 405,3 mil hectares.
A fazenda também sentiu os impactos dos incêndios, mas em 2019. Em setembro, em apenas 15 dias, o fogo devastou 61% do refúgio. Em três meses, lembra Klabin, a vegetação se regenerou.
Porém, a mesma iniciativa no sistema público anda a passos lentos. Em dezembro de 2020, o governo estadual assinou contrato com o BNDES para iniciar estudos de viabilidade da concessão de cinco unidades de conservação, entre elas o monumento Gruta do Lago Azul, em Bonito.
O Parque Estadual do Pantanal Rio Negro, conectado ao corredor privado de conservação, também está em estudo para concessão, porém via Ministério do Turismo. A análise levará em conta, entre outras informações, a capacidade de visitação e quais os atrativos podem ser oferecidos.
À reportagem, o governo federal informou que o estudo está sendo feito em parceria com Ministério do Meio Ambiente e ICMBio. O próximo passo, antes da contratação dos estudos de viabilidade, é a qualificação do ativo no PPI.
Se essa concessão fosse liberada hoje, seria possível apenas em 14% dos 78,3 mil hectares do parque. Essa é a área regularizada, ou seja, aquela que já pertence oficialmente ao parque, depois da desapropriação e indenização dos produtores rurais.
O secretário-adjunto da Semagro (Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar de MS), Ricardo Senna, admite que esse é um processo moroso, por ser comum que a área tenha diversos proprietários ou seja parte de inventário.
Senna diz que essa burocracia não impede o avanço do estudo e concretização da concessão, mesmo que em área menor. "A empresa só vai poder fazer os atrativos - trilhas, observação de pássaros, o que seja - dentro da área regularizada, à medida que vai regularizando, vai avançando", explica. A situação, segundo ele, é semelhante a outros parques pelo país.
O secretário-adjunto acredita que a iniciativa do grupo de empresários irá somar ao projeto público. "Aumentar esse corredor é importante para a conservação e manutenção da biodiversidade", finaliza.