Bonito, Mato Grosso do Sul - 28 de Novembro de 2024
Meio Ambiente

Preservação dos banhados de Bonito e Jardim é questão de sobrevivência do turismo da região

A compra de áreas onde localizam-se os banhados é um dos caminhos viáveis para a preservação do local, revela um dos entrevistados.

Carla Layane
Em 20 de Dezembro de 2019 às 16h42
Registro feito em maio deste ano mostra drenos no Banhado do Rio da Prata. Foto: Divulgação.

As águas cristalinas e a biodiversidade dos rios da região de Bonito e Jardim, no Mato Grosso do Sul, atraem visitantes de diversas regiões de mundo. O que muita gente não sabe é que, para permanecer com essas características, a preservação dos banhados é fundamental. Mas afinal o que são os banhados e quais riscos eles correm? Para falar sobre o assunto o portal Bonito Notícias conversou com integrantes de diversas instituições, públicas e privadas.

Os banhados são áreas úmidas que se espalham por toda a região da Serra da Bodoquena. Enchem-se de água, proliferam a biodiversidade e mantém vivos cursos d’água como o Rio da Prata e o Formoso. Por tamanha importância, em novembro de 2017, o então Ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, publicou no Diário Oficial da União, a Portaria Nº 421 *, de 6 de novembro, na qual cita a conservação dos banhados do Formoso e do Prata, a criação de mosaicos de unidades de conservação, restauração e implementação de corredores ecológicos para proteção das espécies ameaçadas de extinção.

Maria Helena Andrade, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Miranda, revela que “os banhados são áreas importantíssimas para a manutenção dos rios da Serra da Bodoquena, uma vez que, sendo áreas úmidas naturais, funcionam como ambientes estocadores de matéria orgânica e abrigam uma infinidade de espécies vegetais e animais, o que implica numa complexa rede trófica. Ambientes assim apresentam altas taxas de produção primária, representando início de cadeias alimentares. Podemos dizer que são as áreas de Cabeceira dos rios Formoso e Prata que, abaixo, unem-se ao rio Miranda e, à jusante, o rio Paraguai, principal dreno do Pantanal”.

É um lugar de altíssima biodiversidade que funciona como um grande rim, recebendo águas da chuva e também as águas que drenam a região, assegurando que elas saiam com alta qualidade e limpa no ponto ressurgência. Os banhados são estratégicos para alguns rios na região da bacia do Miranda, a exemplo do Prata e Formoso e devem ser locais de total proteção” , completa o Coronel Ângelo Rabelo, Diretor do Instituto Homem Pantaneiro (IHP).

Para Felipe Dias, Diretor Executivo do Instituto SOS Pantanal, “ por terem a função de controle e filtragem absorvendo a água dos rios nos períodos de cheia e mantendo o fluxo de água no período de estiagem deveriam ser considerados como Área de Preservação Permanente (APP)”, ressaltando ainda que, as áreas úmidas segundo o Código Florestal de 2012 “no seu artigo 10 devem ser consideradas como Área de Uso Restrito”.

Para o Secretário de Turismo de Bonito, Augusto Mariano, os banhados são imprescindíveis para a continuidade das atividades na região. “Considerando que o turismo é a atividade econômica mais importante de Bonito-Serra da Bodoquena temos que levar em conta que esse turismo de natureza, de aventura e o ecoturismo dependem da transparência de nossas águas que estão entre as mais claras e transparentes do planeta Terra. Os banhados são reservas dessas águas transparentes, a garantia e a perenidade de nosso turismo na região de Bonito”.

Por que então essas áreas úmidas estratégicas, seja pela riqueza de espécies ou pelas complexas funções ecossistêmicas que exerce, correm perigo?

Em 2016, a Polícia Militar Ambiental localizou em uma propriedade rural 26 km de drenos no Banhado do Rio da Prata -canais usados para secar regiões alagadas e que transformam brejões em áreas de plantio - e também desmatamento da área de vegetação nativa sem licença ambiental. O proprietário da fazenda foi multado em R$ 13 milhões.  A ausência de trabalho de conservação de solo aliados às chuvas que atingiram a região no verão passado turvaram as águas cristalinas interditando diversos atrativos turísticos, causando perdas econômicas para o turismo. E não muito distante, em maio de 2019, colaboradores do Instituto Homem Pantaneiro localizaram drenos na nascente do rio Perdido.

Quando o homem interfere nas áreas de banhados, há mudanças diretas no ciclo das águas. Por exemplo, a retirada da vegetação afeta seus ciclos naturais porque a água das chuvas, quando cai sobre o solo aberto, escoa muito mais rapidamente, provocando erosão e turvamento das águas. Quando os banhados são drenados, as áreas alagadas se reduzem, o que provoca mudanças nos processos naturais. Com a redução da umidade, muitos hábitats sensíveis se alteram e dificulta a sobrevivência e a reprodução de uma série de espécies, incluindo peixes, anfíbios, répteis, aves aquáticas e mamíferos” , diz José Sabino, biólogo, doutor em Ecologia, Mestre em Zoologia e professor e pesquisador da Universidade Anhanguera-Uniderp.

Essas intervenções contribuem de maneira negativa para a condução de sedimentos para os rios. “O banhado do Prata, é o que foi mais prejudicado. O banhado do Formoso segue preservado, mas ainda sob ameaça e o banhado do Perdido encontra-se conservado graças a uma ação integrada com as propriedades ali existentes” , revela o Coronel Rabelo.

O botânico e professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Arnildo Pott, concorda com a afirmação de Rabelo. “Ainda há várias áreas de Banhados em bom estado, mas os do Rio da Prata são os que tiveram a maior área drenada. Os advogados alegaram que lá não há nascente e que aquela água não se conecta com o Rio da Prata. Mas as nascentes são difusas, isto é, não sai água jorrando do chão, mas aflora por toda parte e vai formando pequenos veios superficiais que são recolhidos por uma rede de cananículos (pequenos canais) até um pequeno córrego ou até um sumidouro, que pode ser visível ou subterrâneo. Trata-se, pois, de uma região cárstica, em que há uma rede de água subterrânea, que pode reaparecer numa nascente, numa surgência, ou ser incorporada por um rio”, diz. Para Pott, o principal e o pior fator prejudicial à essas áreas é a drenagem. “A drenagem dos Banhados ocorre por ignorância do papel que desempenham, ou por ganância em benefício de poucos e prejuízo de muitos. Soja e milho podem ser cultivados em áreas adequadas, mas o turismo da região depende da conservação das águas e é um uso inteligente dos recursos naturais, sem destruí-los, em benefício da sociedade. Quando uma vala é aberta, a água escoa, rebaixando o seu nível no solo, daí morre a vegetação palustre (própria de solo encharcado), como o capim-navalha, e, consequentemente, desaparece a fauna associada.  E desaparece aquele recurso hídrico”.

Felipe Dias reforça que os prejuízos econômicos com as construções de drenos nos banhados não afetam apenas o turismo, mas também a atingem o setor pecuário. “A longo prazo a mudança no regime hídrico dos banhados propiciará o rebaixamento do nível de base (lençol freático) levando a impactos negativos na atividade pecuária da região. E a perda da qualidade da água impacta negativamente para o turismo, sobretudo no período chuvoso. Estes impactos tendem a acontecer também no período de estiagem, considerando que com a diminuição no volume de água presente nos banhados”.

Além da presença de drenos, Maria Helena Andrade cita outros problemas encontrados nos locais. “Podemos observar degradação, ausência de vegetação em seu entorno, presença de bovinos em córregos próximos para a sua dessedentação, o que pode causar a compactação do solo na área” , diz.

O superintendente executivo interino da Fundação Neotrópica do Brasil, Rodolfo Portela Souza, alerta para o estoque de carbono existente no banhados, resultado do acúmulo ao longo dos anos. “Quando os banhados são destruídos há a emissão dos carbonos fixados naquela biomassa, responsável pela formação dos mesmos. Quando acontece as drenagens todas as funções ecossistêmicas que o banhado desempenha são prejudicadas”.

O Secretário Municipal de Meio Ambiente de Bonito, Edmundo Dinelli, revela que “ os banhados da região sofrem pressão humana, de TODAS as atividades, seja agropecuária, lazer e até do ecoturismo. De um modo geral, as principais áreas de banhado ainda estão íntegras, mas seguem pressionadas”. Sobre os drenos no banhado do Prata, o secretário afirma ainda que, “por mais que tenha sido visitada e estudada nos últimos anos, ainda não se tem uma posição conclusiva”.

Mas então, como proteger os banhados?

Criação de leis específicas, redução de impostos rurais e mobilização pública são algumas das ações citadas pelos entrevistados e que podem contribuir para a proteção dos banhados de Bonito e Jardim.

“É urgente que sejam reconhecidos como Área de Preservação Permanente (APP). No mundo todo as áreas úmidas estão sendo cada vez mais protegidas e gasta-se muito para restaurar as já danificadas. Uma vez legalmente considerados como APP, os Banhados também deveriam ter uma faixa de vegetação natural no entorno, e não a lavoura encostar na APP”, diz Arnildo Pott.  Outro importante ponto citado pelo botânico é o fechamento imediato dos drenos. “Uns alegam que fechá-los é muito difícil, mas muito mais fácil do que abri-los. Com o fechamento dos drenos, é restaurado o nível de água e a vegetação pode retornar, o que depende do tempo que a área esteve drenada e da atividade que houve (p. ex., herbicidas poder afetar o banco de sementes). Se o solo orgânico foi oxidado por vários anos, demorará décadas a se recompor, mas já poderá voltar a ter sua função de estoque regulador de água”.

Para a presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Miranda, Maria Helena Andrade, “é necessário que seja, urgentemente, pensada uma legislação específica para essas áreas naturais singulares, uma vez que, são áreas úmidas órfãs de legislação específica. Em primeiro lugar, faz-se necessário pensar em uma compensação para os proprietários de terras onde os banhados se encontram, já que não poderiam utilizar esses ambientes para quaisquer práticas agropecuárias. Talvez diminuição nos impostos rurais ou outra compensação a ser pensada coletivamente. Ainda, é necessário fazer conhecer a importância ecológica desses ambientes, em todos os níveis. Isto é, uma abrangente campanha junto à população local, estadual e aos turistas, que representam importante fonte de receita aos municípios da região, para que estes sejam valorizados e reconhecidos ecologicamente. Além disso, disseminar entre os produtores boas práticas de manejo, uso do solo e conservação da terra, de maneira que, direta e/ou indiretamente, os banhados não venham sofrer os impactos das atividades antrópicas”.

Já o diretor do Instituto Homem Pantaneiro, Coronel Ângelo Rabelo, destaca que os banhados são parte de uma paisagem extremamente importante da região sendo responsáveis por rios de beleza cênica a exemplo do Formoso, Prata e Perdido. “Entendo que a fragilidade da legislação, que deixa margem na interpretação da categoria de Área de Preservação Permanente (APP) para os banhados, deveria ser motivo de mobilização da sociedade e do poder público para que, seja através do Estado ou do município, essas áreas fossem categorizadas como APP. A perda de ambientes como esse torna-se irreversível a sua recuperação, com altíssima perda de biodiversidade e mais grave ainda, com alto custo e o comprometimento e atividades estratégicas como o próprio turismo”.

Para Augusto Mariano a compra da área de banhado é um dos caminhos viáveis para a preservação. “Devemos levar em conta que os banhados têm propriedade, tem um título de domínio, que tem alguém que de fato é de direito é o dono legítimo e incontestável do local, então para preservarmos e para que esse dono tire proveito para exercer ali dentro uma atividade econômica é importante que nós compremos esse banhado desse proprietário. De comum acordo, na diplomacia, de forma negociada. Vamos lá e colocamos na mesa essa negociação, perguntamos para ele qual o valor que deseja receber e esse valor vamos ver como podemos pagá-lo, ou o município ou estado, ou proprietários da iniciativa privada, ou governo federal, ou ONG, ou um grande banco ou multinacional, o que nós precisamos é instalar um canal de interlocução com o proprietário sem discussões, sem brigas, assim vamos conseguir chegar a um denominador final e que fique bom para todas as pessoas e que os nossos banhados sejam protegidos e preservados para as gerações futuras”.

A água, não custa lembrar, é vital para todas as espécies, diz José Sabino. “Contudo, para que a água doce continue disponível para os múltiplos usos (manutenção de processos ecológicos, consumo humano e lazer), é preciso preservar a vegetação que protege as áreas de mananciais e os banhados. Dentro de uma propriedade rural, por conta de seu valor estratégico, a água deve ser tratada com absoluto zelo, usando do melhor conhecimento técnico disponível para manutenção dos processos naturais”.

Em Bonito e Jardim os banhados são essenciais para a manutenção da qualidade de águas dos rios. E a preservação é o único caminho para sua perpetuidade.

*Portaria Nº 421 publicada no Diário Oficial da União em 06 de novembro de 2017:

O MINISTRO DE ESTADO DO MEIO AMBIENTE, SUBSTITUTO, no uso das atribuições que lhe confere o art. 87, parágrafo único, inciso I, da Constituição, e considerando o que consta no Processo Administrativo no 00744.000570/2017-52 e Processo SEi! Nº 00000.009605/2017-00, resolve:

Art. 1º: Indicar prioridade para as ações descritas nas Portarias MMA no 09/2007 e no 223/2016, referentes às áreas descritas no Anexo desta Portaria, visando à criação de mosaicos de unidades de conservação, restauração e implementação de corredores ecológicos para conservação dos banhados e proteção das espécies ameaçadas de extinção.

Parágrafo único. O Ministério do Meio Ambiente solicitará ao Estado do Mato Grosso do Sul e aos Municípios de Bonito e Jardim que adotem as mesmas medidas contidas no caput.

Art. 2º: Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

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